Poema
A Marina Colasanti e Affonso Romano de Sant'Anna
Sérgio de Castro Pinto
eis a fórmula
ou a forma:
a água
fura a rocha
e assim faço
o eu poeta.
um poema-lâmina
(contundente)
que esmigalhe
e esfarele
como se fora
um dente.
não um poema
com azul
da blu-blade,
mas um poema
que sangre
as maçãs da face.
um poema-lâmina
que prove e triture
as maçãs do rosto
com a mesma fome
e com o mesmo gosto
com que o primeiro homem
provou da maçã do paraíso.
este será o seu ofício:
ser lâmina penetrar
e ferir e dissecar
e ir sempre além
do que se pode ir.
repudiu o azul
de outras lâminas
diante do rosto
e do espelho
o meu poema
é uma lâmina
escura e cega
que abre sulcos
e impõe o medo
da descoberta
frente ao espelho.
da descoberta
que cada berlinense
só tem uma face
e que a outra lhe falta
quando de manhã
ao barbear-se.
da descoberta
que mesmo de frente
o berlinense
é de perfil
e que há entre
o oriental e o ocidental
um limite, uma divisão
de cimento, areia e cal.
o meu poema
poderia ser azul
como outras lâminas
mas isto me cansa
e esqueço o lirismo
de poder dizer
que do azul da lâmina
saíram gaivotas,
verão e istmos.
meu poema não é istmo
pois nada une
apenas faz ver
de tudo a distância
e por isto é gume
e por isto é lâmina
e se quiserem
esterco, estrume
que aduba a memória
frente ao espelho
e impõe a descoberta
de outras faces
patidas ao meio.
meu poema não é istmo,
isto ou aquilo,
meu poema é sabre e sabe
onde corre o rio
e onde incorre o risco
da descoberta de cada um
e rasga cortes
na superfície lisa
de cada um.
In: PINTO, Sérgio de Castro. O cristal dos verões, poemas escolhidos. São Paulo: Escrituras, 2007.
A Marina Colasanti e Affonso Romano de Sant'Anna
Sérgio de Castro Pinto
eis a fórmula
ou a forma:
a água
fura a rocha
e assim faço
o eu poeta.
um poema-lâmina
(contundente)
que esmigalhe
e esfarele
como se fora
um dente.
não um poema
com azul
da blu-blade,
mas um poema
que sangre
as maçãs da face.
um poema-lâmina
que prove e triture
as maçãs do rosto
com a mesma fome
e com o mesmo gosto
com que o primeiro homem
provou da maçã do paraíso.
este será o seu ofício:
ser lâmina penetrar
e ferir e dissecar
e ir sempre além
do que se pode ir.
repudiu o azul
de outras lâminas
diante do rosto
e do espelho
o meu poema
é uma lâmina
escura e cega
que abre sulcos
e impõe o medo
da descoberta
frente ao espelho.
da descoberta
que cada berlinense
só tem uma face
e que a outra lhe falta
quando de manhã
ao barbear-se.
da descoberta
que mesmo de frente
o berlinense
é de perfil
e que há entre
o oriental e o ocidental
um limite, uma divisão
de cimento, areia e cal.
o meu poema
poderia ser azul
como outras lâminas
mas isto me cansa
e esqueço o lirismo
de poder dizer
que do azul da lâmina
saíram gaivotas,
verão e istmos.
meu poema não é istmo
pois nada une
apenas faz ver
de tudo a distância
e por isto é gume
e por isto é lâmina
e se quiserem
esterco, estrume
que aduba a memória
frente ao espelho
e impõe a descoberta
de outras faces
patidas ao meio.
meu poema não é istmo,
isto ou aquilo,
meu poema é sabre e sabe
onde corre o rio
e onde incorre o risco
da descoberta de cada um
e rasga cortes
na superfície lisa
de cada um.
In: PINTO, Sérgio de Castro. O cristal dos verões, poemas escolhidos. São Paulo: Escrituras, 2007.