segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Quem sou eu?!

"Auto-retrato como artista, 1888." Van Gogh
Eu
Florbela Espanca

Eu sou a que no mundo anda perdida
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a cruscificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou.
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

sábado, 11 de setembro de 2010

Política e politicagem...


O analfabeto político
Bertolt Brecht


O pior analfabeto
é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala;
nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
o preço do feijão,
do peixe,
da farinha, do aluguel,
do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro
que se orgulha e estufa o peito,
dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil que,
da sua ignorância política,
nasce a prostituta,
o menor abandonado, o assaltante
e o pior de todos os bandidos:
que é o político vigarista,
pilantra, o corrupto
e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Simplesmente amar...

Amar
Carlos Drummond de Andrade

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesmo de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.