segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Falando de si: um outro retrato.


Retrato
Cecília Meireles

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coraçãoque nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?


Mais um belo poema sobre a passagem do tempo, sobre um olhar de si em poesia. Como estamos terminando o ano, vale a pena pensar sobre nós mesmos...
Um bom olhar sobre si!!

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Falando sobre si?!

Auto-retrato (1887), do pintor Van Gogh (1853-1890)

Os artistas sempre usam sua arte para falar tanto de si mesmo quanto de sua produção artística. Parece que "dizer de si" é uma necessidade puramente humana, necessária para que possamos nos compreender ou nos fazer compreender pelo outro.
Aqui, um poema de Mário Quintana (1906-1994):

O Auto-Retrato

No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...

ás vezes me pinto coisas
de quem nem há mais lembranças...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...

e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!

sábado, 7 de novembro de 2009

Poesia de cordel: um canto popular!

Filho de gato é gatinho
Patativa do Assaré (05/03/1909 – 08/06/2002)

Era o esposo assaltante perigoso,
o mais famoso dentre os marginais
porém, se ele era assim astucioso,
sua esposa roubava muito mais

A ladra certo dia se sentindo
com sintoma e sinal de gravidez,
disse ao marido satisfeito e rindo:
- Eu vou ser mãe pela primeira vez!

Ouça, querido, eu tive um pensamento,
precisamos viver com precaução,
para nunca saber nosso rebento
desta nossa maldita profissão

Nós vamos educar nosso filhinho
dando a ele as melhores instruções
para o mesmo seguir o bom caminho,
sem conhecer que somos dois ladrões.

Respondeu o marido: - Está direito,
meu amor, você disse uma verdade.
De hoje em diante eu procurarei um jeito
de roubar com maior sagacidade.

Aspirando o melhor sonho de Rosa,
ambos riam fazendo os planos seus.
E mais tarde a ladrona esperançosa
teve um parto feliz, graças a Deus.

"Ai, como é linda, que joinha bela!"
diziam os ladrões, cheios de amor,
cada qual desejando para ela
um futuro risonho e promissor.

Mas logo viram com igual surpresa
que uma das mãos da mesma era fechada.
Disse a mãe, soluçando de tristeza:
- Minha pobre menina é aleijada.

A mãe, aflita, teve uma lembrança
de olhar a mão da filha bem no centro.
Quando abriu a mãozinha da criança,
a aliança da parteira estava dentro.
(In: Feira de Versos: poesia de cordel. Editora Ática)

A poesia de cordel, embora esteja transposta aqui através do escrito, ela é transmitida oralmente, numa situação que envolve contato pessoal, voz, gestos e expressões faciais de quem a declama. O poeta cearense Patativa do Assaré é um dos grandes representantes desses poetas populares. Seus poemas transmitem humor, sentimento , críticas e reflexão sobre o cotidiano do povo que vive no nordeste. Vale a pena conhecer!