terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Feliz Ano Novo!


Receita de Ano Novo
Carlos Drummond de Andrade

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas
mudem e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.


Encerro, com esse belo poema, o ano de 2009. Foi um ano de conquistas e realizações pessoais muito significativas, mas também um ano de luta contra as pedras, em especial uma pedra, que entrou no meu caminho para me lembrar de que é preciso quebrá-las e olhá-las como quem contempla a si mesmo e procura mudar-se. Desejo a todos os que leem esse blog um ano de conquistas e de superações. Um grande abraço a todos!

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Então?! É Natal!



Versos de Natal
Manuel Bandeira

Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados.
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!

Mas se fosses mágico,
Penetrarias até ao fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera de Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.


Manuel Bandeira reflete bem essa oposição entre o físico e o espiritual, entre a aparência e a essência. Acho que a proximidade do Natal faz com que pensemos sobre o que somos, o que fomos e o que queremos ser um dia... Mais do que isso, faz com olhemos para dentro de nós mesmos para que possamos encontrar a essência que muitas vezes se perde nos espelhos da vida...
Aproveitem a leitura!

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Falando de si: um outro retrato.


Retrato
Cecília Meireles

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coraçãoque nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?


Mais um belo poema sobre a passagem do tempo, sobre um olhar de si em poesia. Como estamos terminando o ano, vale a pena pensar sobre nós mesmos...
Um bom olhar sobre si!!

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Falando sobre si?!

Auto-retrato (1887), do pintor Van Gogh (1853-1890)

Os artistas sempre usam sua arte para falar tanto de si mesmo quanto de sua produção artística. Parece que "dizer de si" é uma necessidade puramente humana, necessária para que possamos nos compreender ou nos fazer compreender pelo outro.
Aqui, um poema de Mário Quintana (1906-1994):

O Auto-Retrato

No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...

ás vezes me pinto coisas
de quem nem há mais lembranças...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...

e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!

sábado, 7 de novembro de 2009

Poesia de cordel: um canto popular!

Filho de gato é gatinho
Patativa do Assaré (05/03/1909 – 08/06/2002)

Era o esposo assaltante perigoso,
o mais famoso dentre os marginais
porém, se ele era assim astucioso,
sua esposa roubava muito mais

A ladra certo dia se sentindo
com sintoma e sinal de gravidez,
disse ao marido satisfeito e rindo:
- Eu vou ser mãe pela primeira vez!

Ouça, querido, eu tive um pensamento,
precisamos viver com precaução,
para nunca saber nosso rebento
desta nossa maldita profissão

Nós vamos educar nosso filhinho
dando a ele as melhores instruções
para o mesmo seguir o bom caminho,
sem conhecer que somos dois ladrões.

Respondeu o marido: - Está direito,
meu amor, você disse uma verdade.
De hoje em diante eu procurarei um jeito
de roubar com maior sagacidade.

Aspirando o melhor sonho de Rosa,
ambos riam fazendo os planos seus.
E mais tarde a ladrona esperançosa
teve um parto feliz, graças a Deus.

"Ai, como é linda, que joinha bela!"
diziam os ladrões, cheios de amor,
cada qual desejando para ela
um futuro risonho e promissor.

Mas logo viram com igual surpresa
que uma das mãos da mesma era fechada.
Disse a mãe, soluçando de tristeza:
- Minha pobre menina é aleijada.

A mãe, aflita, teve uma lembrança
de olhar a mão da filha bem no centro.
Quando abriu a mãozinha da criança,
a aliança da parteira estava dentro.
(In: Feira de Versos: poesia de cordel. Editora Ática)

A poesia de cordel, embora esteja transposta aqui através do escrito, ela é transmitida oralmente, numa situação que envolve contato pessoal, voz, gestos e expressões faciais de quem a declama. O poeta cearense Patativa do Assaré é um dos grandes representantes desses poetas populares. Seus poemas transmitem humor, sentimento , críticas e reflexão sobre o cotidiano do povo que vive no nordeste. Vale a pena conhecer!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O amor entre palavras e silêncios...


BILHETE

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,enfim,tem de ser bem devagarinho,
Amada,que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

Mário Quintana foi um dos mais belos poetas do século XX. Seus poemas encantam, entram
na alma, conversam com a gente.
Já o amor... O amor, sempre cantado pelos poetas, não poderia ter maior singeleza e sensibilidade como nesse belo bilhete de paixão!
Amemos, amemos, amemos!!!

terça-feira, 6 de outubro de 2009

A consciência humana!

O Morcego
Augusto dos Anjos

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

"Vou mandar levantar outra parede..."
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, á noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

Augusto dos Anjos, poeta paraibano, do início do século XX, não poderia criar uma imagem mais
intrigante e assustadora para simbolizar a consciência humana. Sempre que algo nos agride em nossa concepção de mundo e de vida, ou quando fazemos algo que consideramos errado, parece que não temos paz...
Vale a pena refletir...
Não coloquei imagem dessa vez, criemos a nossa!!!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Um olhar sobre o Brasil

O descobrimento, Cândido Portinari

Canto de regresso à pátria
Oswald de Andrade

Minha terra tem palmares
onde gorjeia o mar
os passarinhos daqui
não cantam como os de lá

Minha terra tem mais terra
e quase que mais amores
minha terra tem mais ouro
minha terra tem mais terra
ouro terra amor e rosas
eu quero tudo de lá

Não permita Deus que eu morra
sem que eu volte pra São Paulo
sem que eu veja a rua 15
e o progresso de São Paulo


São vários os olhares poéticos sobre o Brasil. Oswald de Andrade, por pertencer a um movimento de revisão crítica do nacionalismo, nos escreve esse belíssimo poema parodiando a famosa "Canção do exílio", de Gonçalves Dias.
Vamos olhar o Brasil, vamos conhecer o Brasil?!

domingo, 20 de setembro de 2009

Palavras: uma forma de libertação?


Romanceiro da Inconfidência

Romance LIII ou
Das palavras aéreas

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai, palavras,
sois do vento, ides no vento,
no vento que não retorna,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e transforma!

Sois do vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!

Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência, a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...

A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora...
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam...



A poetisa Cecília Meireles escreve com muita sensibilidade sobre o poder das palavras, o poder da própria poesia ao relembrar um período importante da nossa história: A inconfidência Mineira (século XVIII). Espero que gostem desses versos...

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

"Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia"

Barreira da Praia do Cabo Branco,
Priscila Holanda
João Pessoa- PB.
Óleo sobre tela 50 x 70

O poema "Duas vezes não se faz" é do artísta plástico e poeta paraibano Hermano José. Conheci esse poema quando assisti ao documentário, que leva o mesmo nome do poema, do cineasta Marcus Villar, também paraibano. Esse documentário retrata toda a degradação da Barreira do Cabo Branco, que tem como título O Ponto Oriental das Américas, lugar de beleza natural e um grande cartão postal da cidade de João Pessoa, que vem sofrendo pelas mãos dos homens e da própria natureza.
O poema é um belo retrato triste da certeza de que aquilo que se destrói não se tem, não se vê novamente, por que duas vezes não se faz a beleza, o amor, a natureza, o ser humano... - todas esses elementos são únicos, insubstituíveis.
É um belo poema que desejo compartilhar com vocês.

DUAS VEZES NÃO SE FAZ
Poema de Hermano José

Não se faz o mundo duas vezes:
Duas vezes a Lua.
Duas vezes o Mar.

Não se faz duas vezes;
A inclinação do Cruzeiro do Sul,
A rotação diversas dos Astros
A luz solar riscando madrugadas,
Crepúsculos incendiados
Para o sono dos pássaros.

Duas vezes não se fará:
O rumor das ondas
Por cima de caranguejos translúcidos.
Chuvas tropicais
Resvalando em rios caudalosos,
Pororocas noturnas,
Revolvendo assombrações
Mas, se fará:
Negras espumas de óleo subterrâneos
Nuvens asfixiantes em horas imprevisíveis,
Mortos mares naufragados em detritos,
Desertos de verdes calcinados,
Terra desfigurada de pólo a pólo.
Terra inútil
Túmulo rejeitado
De fracasso humano.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A poesia em pequenos versos

Vou postar hoje alguns pequenos poemas de um grande amigo: um poeta, professor, ator, na verdade, um verdadeiro artista... O livro acabou de ser publicado, chama-se "O mínimo possível" e reúne pequenos versos em tamanho, pois são grandes em expressão e humor-poético. O poeta é Adriano Cabral. Espero que os que leem esse blog apreciem essa poesia em pequenos versos...

Poesia já! (25)

Não basta apenas
Declamar mais poemas
É preciso reclamar mais poesia

Eu: pássaro em mim (34)

Na Grande Gaiola Invisível
Estou preso à ilusão
De que sou livre

O essencial (38)

Não me interessa
A cor dos olhos
Mas a beleza do olhar



segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Poesia... Uma expressão daquilo que nos sufoca!


SOS

tem gente morrendo de medo
tem gente morrendo de esquistossomose
tem gente morrendo de hepatite meningite sifilite
tem gente morrendo de fome
tem muita gente morrendo por muitas causas

nós que não somos médicos psiquiatras
nem ao menos bons cristãos
nos dedicamos a salvar pessoas
que como nós
sofrem de um mal misterioso: o sufoco
(Chacal)

Esse poema de Chacal, poeta carioca, grande expressão da poesia da década de 70, período
da ditadura militar no Brasil, fala forte dentro de nós. A poesia é isso: o sufoco!! O que nos sufoca?

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

A poesia está cá dentro de mim...


A construção da poesia confunde-se com a construção de si mesmo. Não é algo fácil de expressar, porém fácil de sentir. A poesia está em nós, está no poeta, dizer em palavras, eis aí a questão...



Poesia
Carlos Drummond de Andrade

Gastei uma hora pensando em um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.


terça-feira, 18 de agosto de 2009

Vejo e sou o meu olhar...


O poema Canção pertence ao livro Canções(1956). Nesta obra, a maioria dos textos é composta por versos bastante ritmados, já anunciados no título da poesia e da obra a que ela pertence. O mundo, o poeta, o sonho...

Canção
Cecília Meireles

Assim moro em meu sonho:
como um peixe no mar.
o que sou é o que vejo.
vejo e sou meu olhar.

Água é o meu próprio corpo,
simplesmente mais denso.
E meu corpo é minha alma,
e o que sinto é o que penso.


Assim vou no meu sonho.
Se outra fui, se perdeu.
É o mundo que me envolve?
Ou sou contorno seu?

Não é noite nem dia,
não é morte nem vida:
é viagem noutro mapa,
sem volta nem partida.

Ó céu da liberdade,
por onde o coração
já nem sofre, sabendo
que bateu sempre em vão.

O apagar da ondas do mar...

fotografia de Cristina Figueiredo

Modinha
Cecilia Meireles

Tuas palavras antigas
Deixei-as todas, deixeia-as,
Junto com as minhas cantigas,
Desenhadas nas areias.

Tantos sóis e tantas luas
Brilharam sobre essas linhas,
Das cantigas — que eram tuas —
Das palavras — que eram minhas!

O mar, de língua sonora,O mar, de língua sonora,
Sabe o presente e o passado.
Canta o que é meu, vai-se embora:
Que o resto é pouco e apagado.


O poema Modinha foi publicado no livro Vaga música(1942). Pelo título já percebemos a relação entre música e sentimento. Cecília nos toca ao coração pelas suas palavras, pela sua sensibilidade ao retratar os encontros e desencontros amorosos...

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A poesia...


Ascendino Leite é um dos grandes poetas paraibanos. Amor, morte, poesia são temas recorrentes em seus versos. A poesia é também um bela forma de expulsar nossas misérias humanas. São dele os versos que seguem:
É a poesia que me vai expulsar
desta miséria, limpo como o corpo
de um recém-nascido.

domingo, 9 de agosto de 2009

Um convite à dança

Frevo, de Carlos Magno
Chuva, suor e cerveja
Caetano Veloso

Não se perca de mim
Não se esqueça de mim
Não desapareça
A chuva tá caindo
E quando a chuva começa
Eu acabo de perder a cabeça
Não saia do meu lado
Segure o meu pierrot molhado
E vamos embolar
Ladeira abaixo
Acho que a chuva
Ajuda a gente a se ver
Venha, veja, deixa
Beija, seja
O que Deus quiser...

A gente se embala
Se embora se embola
Só pára na porta da igreja
A gente se olha
Se beija se molha
De chuva, suor e cerveja...

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Lágrimas de crocodilo

O choro do poeta


TERESA
Manuel Bandeira
Teresa, se algum sujeito bancar o
sentimental em cima de você
E te jurar uma paixão do tamanho de um
bonde
Se ele chorar
Se ele ajoelhar
Se ele se rasgar todo
Não acredite não Teresa
É lágrima de cinema
É tapeação
Mentira
CAI FORA
Uma grande ironia de um grande poeta. Manuel Bandeira sabe o que diz: homem que se descabela por mulher... Um conselho irônico de um homem que talvez chore por Teresa e, na verdade quer afastar um possível candidato a esta mulher, que, bem romântico, se declara a ela. Acho que ele ama Teresa e, como é tímido ou até "seco", tenha dificuldade de dizer que a ama da maneira que ela gostaria que fosse dito... não sei...

quarta-feira, 29 de julho de 2009

A fugacidade do tempo

O tempo, Salvador Dali.
Ah, o tempo... Quando olhamos o agora, ele não parece conosco. O tempo muda tudo e quando percebemos não o aproveitamos como deveríamos. Esse tema é bastante caro aos poetas, aos artistas, porque fala do que é humano.


SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ªfeira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,eu nem olhava o relógio.
Seguia sempre, sempre em frente ...
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

Mario Quintana ( In: Esconderijo do tempo)

terça-feira, 21 de julho de 2009

É preciso caminhar, sempre...

O pintor a caminho do trabalho, de Van Gogh.


Canção do carreiro


Dia claro,
vento sereno,
roda, meu carro,
que o mundo é pequeno.

Quem veio para esta vida,
tem de ir sempre de aventura:
uma vez para a alegria,
três vezes para a amargura.

Dia claro,
vento marinho,
roda, meu carro,
que é curto o caminho.

Riquezas levo comigo.
Impossível escondê-las:
beijei meu corpo nos rios,
dormi coberto de estrelas.

Dia claro,
vento do monte,
roda, meu carro,
que é perto o horizonte.

Na verdade, o chão tem pedras,
mas o tempo vence tudo.
Com águas e vento quebra-as
em areias de veludo...

Dia claro,
vento parado,
roda, meu carro,
para qualquer lado.

Riquezas comigo levo.
Impossível encobri-las:
troquei conversas com o eco
e amei nuvens intranquilas.

Dia claro,
de onde e de quando?
Roda, meu carro,
pois vamos rodando...

Cecília Meireles(1901 - 1964)
In: VIAGEM E VAGA MÚSICA (1942)

terça-feira, 14 de julho de 2009

As profundidades tranquilas



O rio
Manuel Bandeira

Ser como o rio que deflui
silencioso dentro da noite
não termer as trevas da noite
se há estrelas nos céus, refleti-las.

E se os céus se pejam de nuvens,
como o rio as nuvens são água,
refleti-las também sem mágoa
nas profundidades tranquilas.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Em seu livro "Cantáteis: cantos elegíacos de amozade", o autor Chico César trata do ser poeta, do amor e do amar... São estrofes belas, no estilo original do autor. Seguem algumas estrofes para sentirmos, nesses versos populares, o espírito dos amantes, no qual todos nos enquadramos....

Estrife 36
toma este esparadrapo
que o cavaleiro guapo
já não tem mais cicatriz
cabra marcado com um xix
pra morrer de paixoneira
numa bela quinta-feira
logo depois do almoço
ora, a morte é um poço
um buraco infinito
de fundo falso esquisito
gozo lodo lasso fosso

73
há tortuosos caminhos
na roseira tem espinhos
no leite repousa a mosca
mas eu sei não é de rosca
a natureza do amor
o poder e o pudor
frutos da mesma maniva
tenho sede da saliva
que escorre de sua língua
não quero morrer à mingua
cantai dadivosa diva

84
amor, quando amor se acaba
reina o silêncio na taba
na guera o cessar-fogo
quando morre o jogador
assim é como o amor
terminal, rodoviário
parado parasitário
na beira da auto-estrada
feito a carniça sagrada
boiando no planetário

quinta-feira, 4 de junho de 2009

A poesia: um outro olhar sobre a vida...

Na vida, muitas vezes o que julgamos ser "dor" é apenas um percurso, uma caminhada.
O modo como olhamos a vida é que nos faz andar para frente.
Nesse pequeno poema, Cecília Meireles, poetisa brasileira, cria uma imagem belíssima da vida. É um olhar de quem já percorreu um longo caminho e já compreende muitas coisas...
Leia-o, sinta-o, Curta a poesia! Traga-a para dentro do seu mar...

Os remos batem nas águas:
têm de ferir, para andar.
As águas vão consentindo -
esse é o destino do mar.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

A quem dedico esse blog?


Caros leitores,
Vocês já se perguntaram sobre quem é o poeta? Fernando Pessoa (1888-1935), poeta português do início do século XX, escreve um poema intitulado Autopsicografia. Nele, o poeta se define. Após a leitura, convidamos vocês para falarem das suas leituras, falarem sobre poetas e poesias a fim de compartilharmos esse universo apaixonante dos versos. CURTA POESIA!!
Retrato de Fernando Pessoa, por Almada Negreiros

Autopsicografia
Fernando Pessoa.
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda,
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Por que gosto de poesia?

Essa pergunta merece uma recordação...
Sempre gostei de ler! De início adorava as narrativas... Adorava as histórias.
Quando criança contava histórias fantasiosas de bruxas que preparavam suas fórmulas em um inverno que mais parecia verão, primavera, tudo misturado. O tempo não existia para mim...
As barreiras espaciais não contemplavam minhas histórias. Acredito que assim nasceu meu enorme prazer da poesia...
Na adolescência, fui apresentada a um tal de Álvares de Azevedo. Suas poesias de morte, de amores distantes e tons sombrios falavam muito forte dentro de mim. Foi aí que comecei a escrever meus poemas. Poemas?! As minhas histórias da infância talvez fossem mais poéticas...
O que sei é que os poetas românticos me falaram muito forte e talvez criaram em mim o grande espírito de luta que assumi nesta fase da vida.
Outro poeta que realmente me encantou, ainda nessa fase, foi Fernando Pessoa "O poeta é um fingidor". O poema Autopsicografia me encantou mesmo sem que eu entendesse a profundidade de seus versos, ou sem que compreendesse suas palavras, mas elas, as palavras, me encantavam surpreendentemente...
Fiz o curso de Letras, na UFPB. Apaixonei-me por Carlos Drummond de Andrade e, assim, os poetas entraram na minha vida: Mário Quintana, Cecília Meireles, Gregório de Matos, Manuel Bandeira e tantos outros.
Essa paixão pela literatura e, em especial pela poesia, fez-me criar esse blog. Sou apenas uma admiradora da poesia e gostaria de partilhá-las com você.