domingo, 30 de janeiro de 2011

O amor!


Saberás que não te amo e que te amo.
Porquanto de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem sua metade fria.

Eu te amo para começar a te amar,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de te amar nunca:
por isso mesmo é que ainda não te amo.

Te amo e não te amo como se tivesse
em minhas mãos as chaves da ventura
e um incerto destino desditado.

Meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amor quando te amo.
(Pablo Neruda)

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Êta vida injusta!



Aposentadoria do Mané Riachão
Patativa do Assaré

Seu moço, fique ciente
de tudo que eu vou contar.
sou um pobre penitente
nasci no dia do azar;
por capricho eu vim ao mundo
perto de um riacho fundo
no mais feio grutião.
E como ali fui nascido,
fiquei sendo conhecido
por Mané do Riachão.

Passei a vida penando
no mais cruel padecê,
como tratô trabaiando
pro felizardo comê.
a minha sorte é torcida,
pra melhorá minha vida
já rezei e fiz promessa,
mas isto tudo é tolice.
Uma cigana me disse
que eu nasci foi de travessa.

Sofrendo grande canseira
virei bola de bilhá.
Trabalhando na carreira
daqui pra ali e pra acolá,
fui um eterno criado
sempre fazendo mandado,
ajudando aos home rico.
Eu andei de grau em grau,
tal e qual o pica-pau
caçando broca em angico.

Sempre entrando pelo cano
e sem podê trabalhá,
com sessenta e sete ano
procurei me aposentá.
Fui batê lá no escritório,
porém de nada valeu.
Veja o que foi, cidadão,
que aquele tabelião
achou de falá pra eu.

Me dise aquele escrivão
franzindo o couro da testa:
- Seu Mané do Riachão,
estes seus papéis não presta.
Isto aqui não vale nada,
quem fez esta papelada
era um cara vagabundo.
Pra fazê seu aposento,
tem que trazê documento
lá do começo do mundo.

E me disse que só dava
pra fazê meu aposento
com coisa que eu só achava
no Antigo Testamento.
Eu que tava prezenteiro
mode recebê dinheiro,
me disse aquele escrivão
que precisava dos nome
e também dos sobrenome
de Eva e seu marido Adão.

E além da identidade
de Eva e seu marido Adão,
nome da universidade
onde estudou Salomão.
Com outroas coisa custosa,
bem custosa e cabulosa,
que neste mundo revela
a Escritura Sagrada:
quatro dente da queixada
que Sansão brigou com ela.

Com manobra e mais manobra
pra podê me aposentá,
levá o nome da cobra
que mandou Eva pecá.
E além de tanto fuxico,
o regristro e o currico
de Nabucodonosô,
dizê onde ele morreu,
onde foi que ele nasceu
e onde se batizô.

Veja moço, que novela,
veja que grande caipora
e a pió de todas ela
o sinhô vai vê agora.
Para que eu me aposentasse,
disse que também levasse
terra de cada cratera
dos vulcão do estrangeiro
e o nome do vaqueiro
que amansou a Besta Fera.

Escutei achando ruim
com a paciência fraca,
e ele oiando pra mim
com os óio de jararaca.
Disse: - A coisa aqui é braba
precisa que você saiba
que eu aqui sou o escrivão.
Ou essas coisa apresenta,
ou você não se aposenta,
Seu Mané do Riachão.

Veja, moço, o grande horrô,
sei que vou morrê depressa,
bem que a cigana falou
que eu nasci foi de travessa.
Cheio de necessidade,
vou vivê de caridade.
Uma esmola, cidadão!
Lhe peço no Santo nome,
não deixe morrê de fome,
o Mané do Riachão.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Um novo ano começa. E com ele...

Operários, de Tarsila do Amaral
Tecendo a manhã
João Cabral de Melo Neto

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

2

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.